Diário do Congresso Nacional

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15/06/62 16/06/62 Protesto contra emendas do Senado ao projeto da cédula única, visando restringir sua adoção aos Estados da Guanabara e São Paulo e as Capitais dos demais Estados. 3278

O SR. PRESIDENTE:

Tem a palavra o Sr. Mário Palmério para discutir o projeto número 202-A-59.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO:

(Sem revisão do orador) — Senhor Presidente e Srs. Deputados, apesar de não terem chegado à Câmara as emendas aprovadas pelo Senado Federal ao projeto chamado da cédula única, todos nós já tomamos conhecimento pela imprensa, do texto das mesmas.

Venho a esta tribuna para, na qualidade de mineiro representante há três legislaturas do Estado de Minas Gerais, protestar contra a atitude dos Senadores de meu Estado, que, aprovando ou permitindo fôssem essas emendas aprovadas, qualificaram a população de Minas Gerais de imatura, através de discriminação inteiramente, injusta entre as populações do Estado de São Paulo e da Guanabara e a de outros Estados. Acredito que êste protesto será levantado aqui também pelos representantes das cidades do interior de Estados como Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e tantos outros que não podem admitir, não podem compreender como essas cidades, muitas delas muito mais populosas, muito mais bem servidas de órgãos educacionais de que várias capitais do Nordeste brasileiro possam ser tidas de incapazes do mapêio da cédula única, aceitando êste contra-senso: as favelas do Rio de Janeiro, os mocambos de Recife vão votar pela cédula única e cidades como a minha, Uberaba, com oito escolas superiores, Uberlândia, Juiz de Fora e tantas outras do interior do Brasil não poderão fazê-lo porque o Senado Federal — e o que é mais grave e mais me revolta — com a anuência dos Senadores de meu Estado — qualifiquem tais cidades, como inferiores politicamente menores, incapazes de votar pela cédula única.

O Sr. Medeiros Neto — Quem conhece a obra que V. Exa. divulgara para o País inteiro como fator de sociologia, política: "A Vila dos Confins" haverá de sentir que V. Exa. não tem [ ilegível] quando está a [ ilegível] à tese adotada pelo Senado da República no atinente à cédula única. Sou daqueles que realmente acreditam que o Senado está [ ilegível] conduzindo com prudência e equilíbrio [ para] que assim o fizera a opinião pública americana. Quando, nos Estados Unidos, tiveram de adotar os políticos através das duas Casas do Congresso Nacional, no Capitólio, o processo de eleição mecânica, realmente ali configuraram por etapas, começando apenas pelos grandes centros urbanos. O mesmo está o Senado a pensar, com aquela ponderação que lhe é peculiar, de começar pelas grandes cidades que, na proporção do índice demográfico maior e com melhores condições habitacionais, naturalmente apresentarão um povo capacitado para votar com a cédula única. Daí trago a V. Exa, não só o apoio meu à decisão do Senado, como invoco a presença intelectual de V. Exa de "A Vila dos Confins".

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Não aceito o argumento de V. Exa., porque, como V. Exa. menciona, se tratava não de diferença de cédula única para essa cédula individual, mas do emprêgo de máquinas para votar, e possivelmente as cidades do interior dos Estados Unidos não disporiam dessas máquinas para a votação. De qualquer maneira, se eu fôsse Deputado no Congresso americano nessa ocasião, estaria lá com a mesma veemência para protestar contra essa discriminação absolutamente odiosa e injustiçada!

Não posso entender nobre Deputado, como eu, na minha cidade, vou votar pela cédula individual e os paulistas de Guarapuava, uma cidade de dez mil, doze mil habitantes, e Miguelópolis vão votar pela cédula única.

Também não quero, se me candidatar novamente e voltar a esta Câmara, assistir aqui, em condição de inferioridade, a essa duplicidade de mandatários legítimos e mandatários ilegítimos, aqueles que se elegem pela cédula única e aqueles que se elegeram por êsse processo que o próprio Senado da República reconhece, vicioso.

O Sr. Medeiros Neto — Desejaria que V. Exa., quando concluísse o seu raciocínio, me facultasse mais um aparte. E se V. Exa. me dá o aparte neste momento serei rápido. Além disso, o Senado da República está ponderando, aliás com a alta sabedoria que lhe é devida, a situação econômico-financeiro nacional. Verifica o Senado que a despesa, o montante com que iria arcar a União com a impressão de cédula única, seria em tal proporção que talvez precisasse de um crédito de 2 bilhões de cruzeiros nesta altura.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Teria feito melhor se protestasse o Senado da República contra as 22 mil nomeações do atual Gabinete, que trouxeram muito mais despesa ao País.

O Sr. Salvador Losacco — Nobre Deputado Mário Palmério, estou achando V. Exa. muito otimista quando coloca a legitimidade da representação em função da utilização da cédula única. V.Exa., como parlamentar e político que é deve reconhecer comigo que esta legitimidade não existe, quer seja com cédula única, quer seja com a cédula comum utilizada até agora — porque efetivamente os representantes populares, quer do Executivo, quer do Legislativo, não são escolhidos pelo eleitorado. A grande fraude existe é na indicação dos candidatos pelos partidos, onde unicamente prevalece a vontade do dono da legenda. Então, com cédula única ou sem cédula única essa representação que existe aí é tôda ela ilegítima.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO - Senhor Presidente, eu gostaria de ser esclarecido e aqui nesta Casa, evidentemente, quando as emendas vierem para serem discutidas, haverá quem o faça — gostaria de ser esclarecido sôbre os motivos que levaram o Senado da República a esta discriminação. O que nos fica de tôda essa discussão de cédula única e cédula individual é que os Deputados realmente conhecidos nos seus Estados, os Deputados que têm o seu nome ouvido, comentado, lembrado em todos os municípios do seu Estado, êsses Deputados levarão vantagens com a adoção da cédula única. E aquêles que não o são, isto é, que não são conhecidos, os Deputados mais regionalizados, vamos dizer assim, o Deputado que pela primeira vez se candidata, homens sem expressão política, homens cujos nomes não têm grande repercussão no seu Estado, êsses, então, serão prejudicados pela cédula única. Mas, Sr. Presidente e Senhores Deputados, que hora está vivendo o Brasil? É a hora das reformas fundamentais. É a hora das reformas básicas.

O Sr. Salvador Losacco — Muito bem!

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — O próximo Congresso, a próxima Câmara dos Deputados que se instalará a partir de 31 de janeiro de 1963, virão para defender teses nacionais, virão aqui para discutir, aprovar ou rejeitar essas reformas fundamentais que estão sendo exigidas em tôdas as latitudes e longitudes do País. Esta Câmara não será mais uma Câmara de representantes meramente regionais. Será uma Câmara que obrigatòriamente terá de ter, de contar dentre os seus membros, dentro (sic) os seus participantes, dentre âqueles que para aqui vierem, como líderes nacionais, como homens capazes de comandar esta campanha para as grandes reformas sociais que todo o Brasil espera.

O Sr. Salvador Losacco — Eu concordo em parte com a tese de V. Exa. Mas acho que se aqui nesta Casa houver exame de problemas fundamentais, só se fôr por pressão de massa organizada, porque, como disse há pouco, entendo que a representação…

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Êste é um problema, e peço a V. Exa. que me permita continuar. Já estou contando com a liberalidade do Senhor Presidente.

O Sr. Salvador Losacco — Mas é curto o meu aparte.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — V. Exa. se inscreva, e permita que eu conclua esta modesta oração.

O Sr. Salvador Losacco — Mas enquanto as convenções partidárias forem as farsas que são não haverá legitimidade de representação.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Mas, Sr. Presidente, êsse anseio nacional pelas reformas de base é que vai ser o grande responsável pela constituição do futuro Congresso, e principalmente da futura Câmara dos Srs. Deputados.

Voltando à minha pergunta que ficou sem resposta em virtude do aparte, indago quais os argumentos que levaram o Senado e estão influindo no espírito daquêles que combatem a cédula única. Contra êssa cédula única tenho ouvido diz*er e ouvido pregar que é preciso dar recursos para o transporte do eleitorado.

Tôdas essas dificuldades que estamos procurando remover com a apresentação de emendas à legislação eleitoral, todos esses males, tudo isso é exatamente aquilo que vai ser combatido pela cédula única.

Pergunto e todos aqui, pelo menos a maioria dos Srs. Deputados, vem do interior: um homem de uma fazenda não vai à cidade pagar o seu impôsto na Coletoria Federal ou Estadual? Não vai procurar um medico (sic) quando dêle precisa na cidade mais próxima? Não vai assistir ao casamento de sua filha, de seu filho ou de um amigo? Ou o homem do interior vive ilhado na sua fazenda sem ir à cidade? Por que êsse homem não pode ir de quatro em quatro anos, numa viagem apenas, a cidade para cumprir com mais êsse seu dever? Não vai passar escritura, consultar um médico, comprar remédios, abastecer-se nos armazéns da cidade?

Então, exclusivamente para votar e (sic) que nós somos obrigados a dar-lhe condução, instalar quartel para que êle se alimente? Se dermos a cédula única, todos os partidos políticos libertarão dêsse problema da condução, que é dada ao eleitor, não para o seu confôrto, mas para confôrto do chefe político, para sossêgo do chefe, político, para a tranquilidade dêle, a fim de que a cédula que o eleitor recebeu na fazenda não seja trocada a meio do caminho.

Todos nós sabemos que o eleitor recebe a sua cédula nos currais eleitorais. É pôsto numa condução, vigiado pelo cabo eleitoral, entra nas filas das sessões eleitorais vigiado pelo cabo eleitoral, e a única hora em que se sente liberto para atuar, em que ninguém é testemunha do seu gesto, é na cabina onde não encontra o instrumento de sua vontade, porque todos, sabemos que aquele dispositivo que manda colocar cédulas nas cabinas é absolutamente impraticável, é ridículo, porque todo eleitor que entra na cabine procura tirar a cédula do concorrente daquele candidato que é seu. E o eleitor não pode nem protestar, porque, se protestar contra a inexistência de sua cédula na cabina, estará confessando a sua vontade, estará dizendo em quem quer votar.

Mas, Sr. Presidente, foi revelado nesta casa, e não é segrêdo para ninguém … A prova é que a Câmara, o Congresso Nacional já votou uma vez a cédula única: a Câmara já votou êste Projeto Ferrari que recebeu as emendas do Senado. E votou por quê? Será segrêdo que votamos a cédula única por pressão militar?

Alguém ignora que os partidos nesta Casa, que reagiam à aplicação da cédula única no país, só reexaminaram o seu ponto de vista e a sua atitude depois do pronunciamento público, aberto, claro, tilintante, vamos dizer assim, de um ilustre Ministro da Guerra? Sr. Presidente, não me resta, a mim que sei perfeitamente bem o que ocorre nesta Casa, que sei as tendências, as posições tomadas, senão fazer desta tribuna um apêlo, novamente, às Fôrças Armadas. Se o Congresso funciona por pressão, por declarações públicas de Ministros militares, eu faço um apêlo, em nome do meu Estado, em nome das cidades do interior de meu Estado, em nome dos Estados que não querem aceitar essa discriminação, para que ou tenhamos em 1962 a cédula individual para todo o País, o que é um contra-senso, o que é uma volta a um processo racionário e antipolítico, os para todos os Estados, a tôdas as cidades, sem discriminação, a cédula única.

É o apêlo que faço a esta Casa, aos Srs. Deputados, aos representantes principalmente dos Estados qualificados pelas emendas do Senado como imaturos, como incapazes de votar pela cédula única. Não podemos aceitar de forma alguma eu não aceito. Sr. Presidente, não aceito, protestarei, trarei aqui o meu modesto trabalho, a minha modesta colaboração que se cometa essa indignidade contra o meu Estado, contra o Rio Grande ou Pernambuco ou qualquer outro Estado da Federação.

Voltando ao meu argumento, na minha cidade, uma cidade com 8 escolas superiores, todos sabem votar melhor que as favelas do Rio de Janeiro ou que os mocambos de Recife. (Muito bem; muito bem. Palmas)

Durante o discurso do Sr. Mário Palmério, o Sr. Ranieri Mazzilli, Presidente deixa a cadeira da presidência, que é ocupada pelo Sr. Geraldo Guedes, 3º Secretário.

 

DIÁRIO do Congresso Nacional. Sessão: 15/06/62. Publicação: 16/06/62. Assunto: Protesto contra emendas do Senado ao projeto da cédula única, visando restringir sua adoção aos Estados da Guanabara e São Paulo e as Capitais dos demais Estados. p. 3278. Coluna: 4.