O regionalismo universal
Tradição literária que experimentou o apogeu no Nordeste teve no escritor mineiro uma renovação

Julyene Martins da Silva

A tradição regionalista no romance brasileiro se formou no decorrer de uma longa trajetória, que teve início com as preocupações nacionalistas dos autores românticos do século 19. Já os escritores da geração de 1930 passaram a interpretar a realidade regional como "estímulo e substância" da arte literária e, assim, essa literatura atingiu plena maturação, particularmente no Nordeste, sobretudo graças à excepcional fecundidade e qualidade de José Lins do Rego, Jorge Amado e Graciliano Ramos.

A zona canavieira do Nordeste foi, até o final do século XVII, o pólo econômico mais importante do Brasil. Em torno da lavoura de cana criaram-se as primeiras formas estáveis de colonização — patriarcal, baseada no trabalho escravo, e que deixou marcas profundas na região. Isso propiciou a formação de rica tradição cultural.

Segundo José Maurício Gomes de Almeida, em A tradição regionalista no romance brasileiro (Topbooks, 1999), para ser regional uma obra de arte não tem somente que estar localizada numa região, mas deve retirar sua "substância real" desse local. "Romances tidos tradicionalmente como regionalistas não o são, ou neles o regionalismo se manifesta apenas superficialmente." Para o autor, há casos de romances nordestinos e sociais, mas não propriamente regionalistas.

O autor afirma que o romance de Rachel de Queiroz, O Quinze, pode ser considerado regionalista: "tanto o ambiente natural — a seca, a paisagem agreste — quanto a realidade social e humana fixada no romance — a luta do homem pela sobrevivência profunda, o êxodo e os dramas inerentes a ele — apresentam uma vivência profunda da região." O regionalismo encontra-se também presente no estilo, com a assimilação das variações lingüísticas ao processo narrativo.

Gomes de Almeida apresenta uma única exigência para que uma obra possa ser considerada regionalista: a existência de uma relação íntima entre a realidade ficcional e a realidade física, humana e cultural da região focalizada. Para o autor, as regiões de exploração econômica — como nas áreas de monocultura ou nas zonas pastoris — estavam predestinadas a despertar o sentimento regionalista, que tem também como característica a denúncia social.

Mário Palmério representa o regionalismo mineiro em suas obras Vila dos Confins e Chapadão do Bugre. Esses romances reúnem dados minuciosos de Minas Gerais, como a descrição física do sertão, dos peixes, dos animais e da vida sertaneja — mas sobretudo da linguagem e das expressões regionais que caracterizam suas obras.

Há uma crítica freqüente por parte de estudiosos que vêem no regionalismo um "localismo redutor", um rebaixamento de valores estéticos e humanos. Mas as obras que adquiriram sentido universal — como as obras de Palmério — provaram que as obras regionalistas possuem limites, mas nada as impede de alcançar o universalismo na literatura brasileira.