Um diálogo entre dois mestres
Em discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Palmério celebra o grande escritor e amigo, Guimarães Rosa

 


João Guimarães Rosa antecedeu Palmério na Cadeira n. 2 na ABL. Foto: Acervo Memorial Mário Palmério

Vinte e dois de novembro de 1968, na Academia Brasileira de Letras, o escritor Mário Palmério abre o seu discurso de posse na Cadeira nº 2: "João Guimarães Rosa não foi apenas um querido amigo, foi-me o mestre maior, dia a dia mais e mais admirado e respeitado".

Palmério discorre sobre a vida de Guimarães Rosa — ou simplesmente Joãzito, como era chamado em Cordisburgo, terra natal do escritor que renovou o romance brasileiro e conquistou o mundo.

Rosa nasceu no dia 27 de junho de 1908, primeiro dos seis filhos de D. Francisca Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido por "seu Fulô", comerciante, juiz-de-paz, caçador de onças e contador de estórias. O garotinho com olhar sonhador aprendeu a ler sozinho aos quatro anos. As palavras e os mapas geográficos eram seus brinquedos favoritos.

Luís Guimarães percebeu a inteligência precoce de seu afilhado e o levou a Belo Horizonte para dar melhores condições de estudo a um menino que logo mostraria o seu empenho intelectual. Rosa terminou o curso primário antes dos nove anos, aos 17 prestou vestibular e matriculou-se na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte.

Ao formar-se, exerceu a profissão em Itaguara, cidadezinha mineira do município de Itaúna. Lá foi muito mais que médico: foi amigo, conselheiro e colheu informações de toda a população que mais tarde veio a povoar seus textos. Em 1932, foi voluntário na Força Pública durante a Revolução Constitucionalista. Logo após se efetivou e foi para Barbacena como Oficial Médico.

O quartel exigia pouco do escritor — só mesmo a revista médica rotineira e um discurso ou outro, dos quais era o orador. Por isso, Guimarães se dedicava ainda mais ao estudo de idiomas e na sua coleta de informações para seus textos, que eram no início dotados de rigor gramatical.

"Aos vinte e um anos o jovem se destaca como artista e primeiro começa por desaprender o aprendido em anos de aturada porfia, para, depois, reiniciar e reconstruir tudo, e de modo totalmente irreconhecível, como se fora lavor de outra alma e de outras mãos", prossegue Palmério.

Em cada fase da vida de Rosa, por onde passou, ele sempre anotou tudo, não só de memória, mas — e principalmente — nas suas famosas cadernetas. Sempre foi muito discreto e fazia os textos para si. Não tinha intenção de publicá-los e nem mesmo falar sobre eles. Tamanha foi a surpresa dos amigos quando o conto O Mistério de Highmore Hall foi publicado na revista O Cruzeiro. A partir daí não parou mais.

Entrou na Academia Brasileira de Letras em 1967 e, em seu discurso, a todo instante fez referências a sua terra natal e aos conhecidos que sempre fizeram parte de sua obra. Três dias depois da posse, o escritor morre, deixando saudades e admiradores de suas inesquecíveis obras.

A Mário Palmério, ficou a lembrança da última conversa que teve com Rosa, quando o autor de Grande Sertão: Veredas combinara com ele uma viagem ao sertão urucuiano. "Fui eu, então, pois algo dentro de mim teimava em garantir ainda jeito de cumprir o combinado. Sim, Rosa estava ao meu lado viajava comigo...foi uma bela viagem, viagem de pausa, de maravilha e de saudade", rememorou o escritor.

"Meu caro Guimarães Rosa: Deus nos permitiu, a ambos, realizássemos o velho desejo — você pôde matar a vontade, pude eu pagar a promessa. E muito, muito obrigado, por me haver acompanhado até aqui". Assim, Palmério termina seu discurso sobre o grande mestre, Joãzito de Cordisburgo.

Erileine Rodrigues

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