Diário do Congresso Nacional

Sessão Publicação Assunto Página Coluna
04/09/53 05/09/53 Como lider de partido. Relato dos acontecimentos de Duque de Caxias, que culminaram c/ o cerco da casa do Prof. Tenorio Cavalcanti. 1204

O SR. PRESIDENTE:

Vem a mesa e é deferido o seguinte:

REQUERIMENTO

Sr. Presidente.

Peço conceber ao deputado Mário Palmério, por delegação de Líder, a palavra para falar sôbre a atitude do digníssimo Presidente da Câmara dos Deputados, na defesa das prerrogativas constitucionais atinentes aos Srs. Deputados.

Rio 4-9-1953. — Vieira Lins

O SR. PRESIDENTE:

Tem a palavra o Sr. Mário Palmério.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO:

(Como Lider de Partido) (Não foi revisto pelo orador) — Sr. Presidente, solicitaram-me vários nobres colegas, por ter sido eu uma das testemunhas dos graves acontecimentos que se desenrolaram ante-ontem, na viiznha (sic) cidade de Caxias, viesse a tribuna para fazer ao plenário relato fiel das ocorrências e, sobretudo, ressaltar a interferência decisiva que tiveram para honra da Câmara dos Deputados e do Congresso Nacional o Sr. Presidente Nereu Ramos e o nobre Deputado Sr. General Flores da Cunha.

Estávamos na Câmara, ante-ontem, em sessão noturna, quando os Srs. Deputados tomaram conhecimento de graves ocorrências em Caxias: O Sr. Deputado Tenório Cavalcanti avisava à Câmara, achar-se ameaçado de morte, em sua residência por numeroso contingente policial do Estado do Rio de Janeiro. Imediatamente o Sr. Presidente Nereu Ramos, o Sr. Líder da Minoria Deputado Afonso Arinos, o Sr. Vice-Presidente da Casa e outros Srs. Deputados procuraram S. Ex.ª o Sr. Governador do Estado do Rio. Aqui, aguardávamos todos, com justificada impaciência, e resultado daquelas demarches. Seriam aproximadamente meia noite e vinte ou meia noite e trinta, quando regressaram do Estado do Rio o Presidente Nereu Ramos e os Deputados que o acompanharam naquela visita ao Governador do Estado. Nesta ocasião puderam quantos se encontravam no Gabinete do Presidente da Câmara verificar o abastecimento e mesmo a preocupação em que se achava Deputado Nereu Ramos. Em vista do Sr. Presidente haver pedido nosso eminente colega General Flores da Cunha para ir a Caxias, a fim de transmitir ao Deputado Tenório Cavalcanti as decisões que tinham [sido] tomadas, acompanhei o nosso venerando colega, juntamente com Srs. Deputados Paranhos de Oliveira e Danton Coelho.

Sr. Presidente, começa aí a efetiva participação da Câmara dos Deputados nos graves incidentes que tiveram lugar em Caxias. O nosso primeiro contato, alí, foi com a Fôrça Policial, que fechava, com veículos uma quantidade enorme de soldados armados de metralhadoras, a rodovia Rio-Petrópolis.

Sr. Presidente, desejo ressaltar a fato para que o plenário possa receber a gravidade da situação e o que poderá acontecer se a missão da Câmara dos Deputados não pudesse ter sido cumprida como foi. Logo no início, o carro do Sr. Presidente da Câmra dos Deputados, com a placa oficial, foi obrigado a parar, e o Major que comandava o cêrco à residência do Deputado Tenório Cavalcanti quis impedir a entrada dos Srs. Deputados na casa daquele parlamentar.

O Srf. Armando Falcão — Sr. Deputado, é profundamente lamentável, mas torna-se necessário afirmar para que fique constando dos Anais, atitude de contraste entre aqueles que, no plano federal, com o Presidente da Câmara à frente, tudo fizeram para defender as imunidades parlamentares e as autoridades estaduais na vizinha Cidade de Caxias, adotando procedimento através do qual [ilegível] se podia verificar o propósito, o intuito de ferir a Constituição na pessoa de um representante do povo.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Muito obrigado a V. Ex.ª.

O Sr Marcelo Soares e Silva — [A] autoridade do Estado do Rio está no dever de respeitar decisão da Justiça. Interpretar a Constituição, dizer se é ou não constituicional esta ou aquela medida, incumbe ao Poder Judiciário. O Legislativo absolutamente não tem êste poder. Tratava-se de uma quase intervenção forçada no Estado do Rio que, pelas suas tradições de cultura e pelos serviços que prestou ao Brasil, merecia ver respeitada a sua sociedade a sua sociedade e o seu Govêrno.

O Sr. Flôres da Cunha — Mas, Sr. Deputado Macêdo Soares, foi, por ventura, decretado o estado de sítio na Província do Rio de Janeiro?

O Sr. Macêdo Soares e Silva — Absolutamente. Tratava-se de cumprir decisão judicial que mandava se visitasse uma residência, onde se sabia claramente, que estavam refugiados criminosos, onde se sabia, pública e notòriamente, que existiam armas de guerra, que a lei proíbe o cidadão tenha em sua casa.

O Sr. Flôres da Cunha — Um momento Sr. Deputado, não tendo sido decretado o estado de sítio para o Rio de Janeiro, como se compreende que duas quadras antes do edifício-residência do Deputado Tenório Cavalcanti, estivesse interditado o trânsito e até aos Representantes da Nação se obrigasse a descer do automóvel oficial da Câmara para impedí-los de chegar àquela casa?

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Exatamente. Além disso, nos encontravamos em missão oficial, acompanhando o Deputado Flôres da Cunha que, por delegação do Presidente da Câmara ia comunicar ao Deputado Tenório Cavalcanti as providências assentadas com o Sr. Governador do Estado.

O Sr. Edilberto de Castro — O Sr. Secretário de Segurança daquêle Estado, procurado pelo Secretário da Câmara, recusou-se a atender o telefone.

O Sr. Macêdo Soares e Silva — V. Excias. não iam em missão oficial, pois eu desconheço Comissão dessa natureza.

O Sr. Paranhos de Oliveira — O nobre Deputado Macêdo Soares acha que não deveriam ter comparecido a Caxias os representantes do povo. Pois bem, V. Ex.ª acrescente que, por graça ou qualquer outro motivo, ao lá chegar o nobre colega General Flôres da Cunha, apontaram uma metralhadora para o lado de S. Ex.ª, que a afastou, dizendo: Vire isso para lá, pois não viemos aqui brigar, mas pacificar. Contra S. Ex.ª foi apontada uma metralhadora!

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Chegarei lá, meu nobre colega.

O Sr. Leopoldo Maciel — Todos sabemos que ninguém pode ter arma de guerra. Mas também a polícia é obrigada a garantir a vida do cidadão. Como procederá o cidadão, se não tiver consigo armas de guerra, quando a polícia, que lhe devia garantir a vida, o está caçando, quer assassiná-lo?!

O Sr. Macêdo Soares e Silva — Não creio que a polícia do Estado do Rio tenha morto alguém em Caxias.

O Sr. Heitor Beltrão — Se houve, na consciência do país, alguma dúvida a respeito de quem tinha razão — se o nobre Deputado Tenório Cavalcanti ou as autoridades do Estado do Rio, essa dúvida desapareceu: vimos com os nossos próprios olhos, quem tem razão — é o Sr. Tenório Cavalcanti.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Sr. Presidente, pude presenciar, naquêle momento, fato de não menor gravidade.

Os fotográfos e os jornalistas que procuravam ir ao encontro de S. Ex.ª o nobre Deputado Flôres da Cunha foram proibidos de tirar chapas e tiveram suas máquinas apreendidas.

Em resumo, Sr. Presidente, naquêle momento, pudemos verificar, in loco, a gravidade da situação e a má vontade com que a Comisão (sic) Parlamentar composta do general Flôres da Cunha, dos nobres Deputadas (sic) Danton Coelho e Paranhas de Oliveira e do modesto Deputado que está nesta tribuna, foi recebida. Posso afirmar à Casa que se não tivéssemos comparecido àquela cidade, hoje teríamos de chorar a morte não apenas do Deputado Tenório Cavalcanti, mas de tôda a sua família, porque presenciei centenas de homens de metralhadoras em punho, em atitude agressiva, apontando armas contra todos nós, inclusive proibindo saíssemos de dentro da residência do Deputado Tenório Cavalcanti, para tomar providêncvia (sic) em defesa do colega, porque, se saíssemos, seríamos metralhados imediatamente, ali mesmo, na porta da casa.

O Sr. Paranhos de Oliveira — Nosso nobre colega Deputado Flôres da Cunha quis sair sòzinho para a rua, mas nós o impedimos.

O Sr. Armando Falcão — É preciso que se fixe, nesta, oportunidade, o papel que, mais uma vez, no caso concreto, desempenhou o Exército Nacional, indo a Caxias, a fim de cumprir seu dever e fazer respeitada a Constituição, ameaçada na pessoa de um representante do povo, aliás, de mais de um representante, entre os quais se encontrava o próprio Presidente da Câmara dos Deputados. Não fôsse a intervenção do Ministro da Guerra, não fôsse a presença do soldado do Exército em Caxias, aí, sim, a chacina se teria dado, irremediàvelmente.

O Sr. Macêdo Soares e Silva — Contesto formalmente a declaração do nobre Deputado…

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Não posso testemunhar isso, porque não vi.

O Sr. Macêdo Soares e Silva - porque o próprio Ministro da Guerra declarou claramente, que, em absoluto o Exército não se imiscuiu no caso. Não houve intervenção, nem do Ministro da Guerra, nem de tropas do Exército.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO - Sr. Presidente estou me limitando à narração dos fatos que presenciei e serão corroborados pelos nobres Deputados Flôres da Cunha, Danton Coelho, Paranhos de Oliveira…

O Sr. Flôres da Cunha — V. Ex.ª está sendo absolutamente fiel e sereno, como serenamente se portou lá, como mineiro bravo que é.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Obrigado a V. Ex.ª.

O Sr. Edilberto de Castro — Êsses fatos estão se generalizando no Estado do Rio. Há dias, no Município de São João da Barra, o Deputado estadual Simão Mansur, do PSP, foi vítima também de agressão da Polícia fluminense e, até hoje, nehuma providência foi tomada.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO - Sr. Presidente, atravessamos cêrca de 400 metros da rodovia Rio de Janeiro-Petrópolis, pelas duas horas da manhã, com o General Flôres da Cunha à frente, acompanhados pelo Major que comandava o cêrco da residência do Deputado Tenório Cavalcanti e seguimos para a casa daquêle Deputado. Entramos e lá encontramos o Deputado Tenório Cavalcanti, suas duas filhas, seu genro, um Capitão do Exército, o pai dêsse Capitão, um velho de cêrca de 80 anos — na informação do nobre Deputado Flôres da Cunha, que diz que preto quanto tem cabelo branco deve ser homem de mais de 80 anos… três rapazes pequenos, miúdos (soubemos depois que seriam parentes do Deputados Tenório Cavalcanti) e a Senhora Tenório Cavalcanti, em tremenda crise de nervos, acamada, sendo tal seu estado de saúde que dela não nos pudemos aproximar, para falar-lhe.

Êste, o quadro que encontramos. E havia mais uma pessoa — o Sr. Delegado Frederici, que havia levado, momentos antes, a intimação ao Deputado Tenório Cavalcanti e ficara retido na residência dêste, como garantia de que não se realisaria (sic) o assalto, segundo informação que o próprio Delegado nos prestou, corroborada, posteriormente, pelo Deputado Tenório Cavalcanti.

Vou, agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, narrar mais um fato, cujo relato ouvi de um repórter que estava na residência do Deputado Tenório Cavalcanti.

Encontrava-se êsse rapaz fora da residência do Deputado Tenório Cavalcanti, quando correu a notícia, junto à tropa que cercava aquela casa, de que saíra daqui uma Comissão Parlamentar, acompanhada de uma tropa do Exército. Pois bem, êsse rapaz me informou que, diante dessa notícia houve quem desse ordem para assaltar, imediatamente, a casa do Deputado Tenório Cavalcanti, para que quando a Comissão chegasse, já encontrasse o fato consumado. Apenas êsse atentado não foi levado a cabo, porque lá se encontrava o Delegado Frederici, que havia levado a intimação ao Deputado Tenório Cavalcanti.

O Sr. Macêdo Soares e Silva — Quero retificar, de certo modo, um têrmo de V. Ex.ª, ao chamar de "atentado" ao cumprimento de uma ordem judicial. Desejo fique bem claro que V. Ex.ª está declarando ser "atentado" o cumprimento de uma ordem da justiça fluminense.

O Sr. Arnaldo Cerdeira — O atentado foi da polícia e, também, da justiça, se, realmente, ela se excedeu, porque as imunidades parlamentares devem ser respeitadas, para garantia do regime de nossas vidas e da própria Nação.

O Sr. Macêdo Soares e Silva — Isso tem sido sempre respeitado, sobretudo no Estado do Rio.

O Sr. Arnaldo Cerdeira — A expressão do nobre orador é perfeita. Houve, de fato, um atentado, não digo de parte de quem, mas houve, um atentado ao Congresso, às imunidades parlamentares e o próprio regime correu perigo.

O Sr. Flôres da Cunha — O Senhor Deputado Macedo Soares e Silva, que não é homem versado em Direito, devia verificar que o mandado de busca era ilegal. A diligência para busca à casa de um Deputado…

O Sr. Macêdo Soares e Silva — A matéria é muito controvertida, porque a própria Polícia pode entrar na casa de um deputado quando ali comete um crime e prendê-lo em flagrante.

O Sr. Flores da Cunha — Em flagrante pode. Mas só depois de concedida a licença…

O Sr. Macêdo Soares e Silva — Mas, no caso, as provas são claras, límpidas.

O Sr. Flores da Cunha - … só depois de concedida a licença para processar o Deputado é que essa diligência podia ser realizada e cumprido o mandado de busca, conforme regula o Código do Processo Penal.

O Sr. Macêdo Soares e Silva — Escuto com muita atenção a respeito a explicação de V. Ex.ª, mas permita que, não sendo versado em Direito não a aceite.

O Sr. Flores da Cunha — Senhor Deputado, V. Ex.ª deve respeitar-me.

O Sr. Macedo Soares e Silva — Respeito, como sempre respeitei, V. Ex.ª, pelos nossos velhos laços de amizade.

O Sr. Flores da Cunha — Senhor Deputado, não me ofereci para exibições. Nunca me ofereço para isso.

O Sr. Macedo Soares e Silva — Aliás, V. Ex.ª nunca o fêz.

O Sr. Flores da Cunha — Detesto exibicionismo. Só diante do convite que me fêz, de volta de Niterói, o Presidente Nereu Ramos para ir até lá verificar o que existia e até apaziguar…

O Sr. Edilberto de Castro — E tendo acordado isso com o Governador do Estado do Rio.

O Sr. Flores da Cunha - … foi que me resolvi a ir a Caxias. Se me tivesse negado, haviam de me atribuir uma certa deliquescência ou mesmo covardia. Ora, nunca tirei, nem quero tirar, porque acho ridículo, carta de valente. Com graça de Deus, só d’Êle tenho medo. Fui cumprir meu dever, convencido de que, primeiro, o mandado era ilegal. Tenho aqui no bolso a cópia que tirei, pois que o meu querido e valente amigo Osvaldo Aranha devolveu ao Delegado de Polícia a contra-fé do mandado, o que não devia ter feito. Mas eu tenho cópia aqui. O mandado é assinado por um juiz [ilegível] transferido para aquela comarca e que tem um nome exquisito.

O Sr. Macedo Soares e Silva — É o Sr. José Navega Cleto, um dos mais distintos juizes de Direito, promovido recentemente por merecimento, e transferido para Duque de Caxias após essa promoção. É um dos vultos mais brilhantes da magistratura fluminense e está de acôrdo com as suas tradições.

O Sr. Flores da Cunha — Não o conheço. Mas o mandado era ilegal. Primeiro, não podia ser realizada a busca durante a noite. Por quê aquêle cêrco de duas quadras? Por quê aquela ameaça? Quando eu descia do carro do Sr. Presidente Nereu Ramos — porque S. Ex.ª homem cauteloso, não consentiu que eu fôsse com meus colegas no meu automóvel e mandou-nos o automóvel da Presidência da Câmara — quando eu descia do carro, o Major que dizem ser homem um pouco neurótico, e parece que é, dirigiu-se a mim fêz continência e disse que eu podia [ilegível]. Eu lhe ponderei: "Mas eu venho acompanhado de outros colegas." Respondeu êle: "Não! Só o Senhor". Ao que retruquei: "Então, não vou. Só irei com meus companheiros. Se êles não forem também não irei."

Nesse momento um [ilegível] [ilegível] da Fôrça Pública me meteu no peito uma metralhadora [ilegível] [ilegível] não conhecia. Disse-lhe: "Seu... (não repito o nome que proferi porque o decôro me manda calar)... vire isso para lá" (Riso). Quando veio a ordem de poderem os Deputados acompanhar-me penetramos na casa do Deputado Tenório Cavalcanti. Ali ficamos aquelas horas angustiosas esperando que fôsse modificada a atitude das autoridades. O Delegado de Polícia que estava dentro da casa do Deputado Tenório Cavalcante era o Sr. Frederici, um homem valente, de coragem e sereno. Disse que às seis horas ia cumprir o mandado. Ora, por esta época do ano, às seis horas o sol ainda não está no alto, de modo que o mandado só podia ser cumprido depois de nascer do sol. Era assim quando eu advogava… (Riso). Mas, quando clareou o dia, verifiquei — não conhecia, nunca tivera ido a Caxias — verifiquei a situação topográfica da casa do Deputado Tenório Cavalcanti, que fica à beira de um morrinho. E, no fundo, estava uma linha de atiradores da Fôrça Pública e de secretas. Um dêles, gordão, de roupa branca, quando apareci no pátio, me apontou a metralhadora e ainda fêz mira. Foi preciso eu dizer lá de dentro do pátrio (sic)… Não posso repetir. (Hilariedade). Ora, por que tudo isto, quando meu comparecimento lá, em nome do Presidente da Câmara, foi para apaziguar? Contive o Deputado Tenório Cavalcanti e Sr. Delegado Frederici na discussão impertinente que entre ambos se travara. Fi-los calar, senão com autoridade de macho, com autoridade moral. Êstes fatos, Sr. Deputado Macedo Soares e Silva, são degradantes para a nossa vida política. O mandado só podia ter sido expedido depois da licença da Câmara. E essa licença, já hoje, ninguém a obterá. (Palmas).

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Sr. Presidente tive o maior prazer em permitir o aparte do eminente e querido colega Deputado Flores da Cunha, que veio corroborar minhas afirmações anteriores no que diz respeito à atitude hostil por parte da polícia do Estado do Rio.

O drama, o verdadeiro drama por que passamos todos nós teve início dentro da residência do Deputado Tenório Cavalcanti. Lá não entraram os jornalistas, com exceção apenas de um que se sabe como o conseguiu, e de um fotógrafo. Passamos de duas às seis horas da manhã assistindo a providências que tomavam os nobres Deputados Flores da Cunha, Danton Coelho e Paranhos de Oliveira, procurando comunicar-se com o Sr. Ministro da Guerra, com o Sr. Comandante da Região Militar, com o Sr. Ministro da Fazenda, com o General Góis Monteiro, mantendo constante contacto com esta Casa.

O Sr. Paranhos de Oliveira — Tais providências só começamos a tomá-las quando tivemos a comunicação do próprio Delegado de Polícia de que o Delegado Regional que tinha de receber as ordens de Niterói não devia ser encontrado. E mais: dali não podíamos sair, porque seríamos metralhados na rua.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Devemos ressaltar sobretudo a atitude firme e dedicada do nosso ilustre 1.º Secretário, Deputado Ruy Almeida, que passou a noite tôda no Gabinete, com o telefone interurbano ligado, tomando providências, telefonando as nossas residências, acalmando nossas famílias, e que foi realmente o ponto de ligação da residência cercada do Deputado Tenório Cavalcanti com meio oficial na Capital da República. Desejo destacar aqui, hoje, a atitude do nosso eminente colega Ruy Almeida, porque foi por intermédio de S. Ex.ª que pudemos comunicar-nos com nossas famílias e com as autoridades superiores do País.

O Sr. Flores da Cunha — E justiça que V. Exª está fazendo. O Sr. Deputado Ruy Almeida não arredou pé de seu pôsto.

O Sr. Ruy Almeida — Preciso dizer a V. Exª nobre Deputado General Flores da Cunha, que não fiz mais que cumprir minha obrigação. E a cumprirei, agrade a quem agradar, desagrade a quem desagradar. (Palmas).

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Eu ia dizendo, Sr. Presidente, que a situação dramática começou dentro da residência do Deputado Tenório Cavalcanti. Peço à Câmara que preste bastante atenção no relato que irei fazer agora, para certificar-se da gravidade dos acontecimentos.

Dentro da casa do deputado Tenório Cavalcanti encontrava-se o Sr. Delegado de Polícia Frederici, que tinha ficado retido como refém pelo Deputado Tenório Cavalcanti. Êsse homem, várias vezes, chegou a pedir ao Deputado Flores da Cunha, pelo amor de Deus, para que convencesse o Deputado Tenório Cavalcanti de que deixasse a polícia entrar, dar a busca, prender os homens que se encontravam ali dentro, porque êle tinha certeza de que, se tal não acontecesse até às 6 horas da manhã, nós todos seríamos metralhados inapelàvelmente.

O Sr. Paranhos de Oliveira — Inclusive êle, delegado, que dizia: "Vou morrer com os Senhores, aqui".

O SR. MÁRIO PALMÉRIO - Êle não fez apenas guerra de nervos. Chegou a falar numa filha diabética, e que seria para êle, delegado, um consôlo morrer naquela ocasião, do que continuar assistindo ao seu sofrimento.

As cenas foram as mais dramáticas. Êsse homem apelava, pedia a todos nós que atendessemos à ordem da polícia. Dizia: "Eu sei que essa ordem é ilegal, mas tomem as providências, porque os Senhores precisam salvar as suas vidas. Tenho a certeza absoluta de que às 6 horas da manhã os Senhores serão metralhados inapelàvelmente e eu, também, porque deram também a mim o prazo apenas de ficar até às 6 horas".

O Sr. Armando Falcão — Quer dizer: havia ordem superior.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Não posso chegar até aí, nobre Deputado. Limito-me apenas a narrar o que presenciei e, como já disse, mais de uma vez, será testemunhado por um homem de maior idoneidade, um homem mais respeitado do que eu (não apoiados), o nobre Deputado Flores da Cunha.

O Sr. Chagas Rodrigues — Não resta dúvida de que havia ordem superior.

O Sr. Leopoldo Maciel — Se não houve ordem superior, houve ordem do hospício.

O Sr. Armando Cerdeira — Não pode haver dúvida de que havia ordens superiores, deante da declaração do delegado de polícia, na situação que o nobre orador descreve da tribuna, declaração essa feita a uma comissão de parlamentares de que se até às 6 horas da manhã não se fizesse a entrega dos prisioneiros e não se abrissem as portas da residência do Deputado federal todos seriam metralhados, e que êle próprio havia recebido essa ordem.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Patèticamente êle dizia ao General Flores da Cunha, como um pai pedindo por um filho: "Pelo amor de Deus, General, convença o Deputado Tenório Cavalcanti. Isto é uma arbitràriedade, mas, infelizmente, precisa ser cometida, para salvar a vida dos Senhores que aqui estão e a minha própria".

O Sr. Arnaldo Cerdeira — Quem, como nós, conhece as coisas da polícia pode afirmar, sem temer contestação, que realmente houve ordens superiores nesse sentido, ordens muito claras e precisas, por que, se necessário fôsse contrariar essa ordem tal coisa não se verificaria.

O Sr. Edilberto de Castro É que no Estado do Rio não há ordem.

O Sr. Macedo Soares e Silva — Tratava-se de cumprir uma decisão do Juiz, justiça essa a quem incumbe combater o crime no Brasil.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Nobre Deputado, eu posso declarar a V. Ex.ª que se eu quisesse não poderia sair da residência do Deputado Tenório Cavalcanti para trazer um recado. Ficamos a determinada hora sem cigarros. Foi necessário que o próprio delegado, que nessa ocasião já sabia que a busca só seria dada às 6 horas da manhã e que, na minha impressão, estava de tal maneira arrependido e de tal maneira aterrorizado com aquela ordem que preferia acabar ficando dentro da residência do que fora dela para não ser responsabilizado por uma chacina inominável…

O Sr. Armando Cerdeira — V. Ex.ª que recorra à história de polícia e a história da justiça do Estado do Rio e há de ver que nenhum mandado de busca e apreensão naquele Estado, até o momento, foi cercado de tamanho cuidado, de tamanha preocupação de servir e fazer respeitar as ordens emanadas da Justiça. Asseguro a V. Ex.ª que na história judiciária do Rio de Janeiro não há um único mandado de busca e apreensão que tenha seguido o rítimo (sic) que seguiu o que V. Ex.ª descreve nessa tribuna.

O Sr. Macedo Soares e Silva — V. Exª também não encontrará em tôda a história do Estado do Rio oposição tão poderosa ao cumprimento de uma ordem judicial.

O Sr. Moura Andrade — Pela descrição de V. Ex.ª verifica-se que a Comissão de parlamentares foi colocada em cárcere privado, foi prêsa. Esteve detida. Isto é um crime capitulado na Constituição. Por outro lado, também se verificou que o juiz concedeu um mandado autorizando unma (sic) busca ilegal e o cumprimento dêsse mandado estava sendo feito à base de metralha.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Para seu govêrno, saiba que devia haver lá mais de cem metralhadoras.

O Sr. Moura Andrade — Veja V. Ex.ª, a gravidade da situação e como estarrece a Nação brasileira, porque as imunidades parlamentares e os princípios gerais do direito são completamente desconhecidos neste fato. Não se aplica contra qualquer pessoa, ainda que desprovida de imunidades parlamentares, ação judicial desta ordem, entre seis horas da tarde e seis horas da manhã.

Não entramos aqui na indagação da própria imunidade parlamentar; não indagamos do princípio de direito e do princípio constitucional que assegura a todo cidadão brasileiro, seja êle quem fôr, desde o mais humilde ao mais poderoso, a inviolabilidade do seu lar entre seis horas da tarde e seis horas da manhã. Desrespeitou-se ali, não apenas a inviolabilidade de um lar, como também a inviolabilidade da Câmara dos Deputados, que ali estava representada por uma comissão sua, levando para lá as imunidades que pertencem à Câmara e não o (sic) Deputado. É preciso deixar bem claro que estas imunidades não são individuais; elas pertencem à Casa e, aonde quer que sejam atingidas, atingido esta o princípio constitucional que assegura a independência dêste Poder, que assegura o exercício pleno do Poder Legislativo no país. (Palmas).

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Clareou o dia, e nós, então, pudemos verificar realmente o perigo por que passamos e que pesou sôbre a Nação. Sob a luz do sol, pudemos quase que distinguir as feições dos assaltantes: uns, fardados; outros, à paisana, como há pouco relatou tão bem o nobre colega Sr. Moraes da Cunha.

Vi seguramente uns 10 ou 20 homens, à paisana, no máximo a 50 ou 60 metros da casa do Deputado Tenório Cavalcanti, armados de metralhadoras de mão, apontando para a residência de S. Ex.ª. E quando o Senhor General Flores da Cunha foi chamado por um de nós para testemunhar o fato, êsse cidadão alto, gordo, como realmente tão bem descreveu o Sr. Flores da Cunha, apontou-lhe a metralhadora e fez com a mão um gesto que significava: Alto lá. Aconselhamos S. Ex.ª que se afastasse; proferiu então a palavra que não pôde repetir, a fim de não ferir o decôro parlamentar.

Somente quando tivemos a notícia, transmitida pelo ilustre colega Rui de Almeida, 1º Secretário desta Casa, de que se encaminhava para Caxias um automóvel com S. Ex.ª o Senhor Presidente Nereu Ramos e S. Exª. o Sr. Ministro da Fazenda, Dr. Osvaldo Aranha, é que nós pudemos sair daquele estado de preocupação que todos podem avaliar.

Chegou o Ministro Osvaldo Aranha, acompanhado do Presidente desta mais ou menos às sete horas da manhã. Ambos procuraram se entender com o Deputado Tenório Cavalcanti. Lembro-me muito bem de haver o Ministro perguntado ao Deputado Tenório qual a solução que êle queria dar ao caso, qual a fórmula que êle apresentava, e posso dar testemunho da delicadeza de atitudes, da verdadeira submissão do Deputado Tenório Cavalcanti junto a SS. Eexcias., o nosso Presidente e o Sr. Ministro, quando disse que, inclusive, abriria mão de tudo aquilo que lhe era mais sagrado, abriria mão de tudo para atender a uma ordem do Presidente da Câmara e a um conselho ou a um apêlo de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda.

Aliás, a atitude do nosso colega, durante tôda essa dramática noite, essa dramática madrugada que passamos em Caxias, foi esta: não criou um caso, não exibiu valentia, procurou tudo acomodar. Tendo sua senhora, em estado grave, em cima de uma cama, e suas filhas chorando a seu lado, êle procurou, de tôda maneira, resolver a situação, com a maior boa vontade. Chamando o General Flores da Cunha sempre de "Meu General", dizia-lhe: - "O senhor é o comandante; o senhor é quem resolve".

E podem todos estar certos de que se nada se resolveu antes da chegada do Presidente Nereu Ramos e do Ministro Osvaldo Aranha, foi porque quem estava fora, nos cercando, não desejava qualquer solução por parte do Deputado eTnório (sic) Cavalcanti. A intenção era uma só: assaltar a residência do Deputado, assassinar a todos aquêles que estavam lá dentro. Isto ficou muito claro.

Peço a atenção da Câmara agora, para uma frase, que eu ouvi. Não sei se o General Flores da Cunha, a percebeu, porque, como todos saber (sic), Sua Excelência ouve pouco.

Quando eu disse ao Major, que estava cercando a casa: "Felizmente, Major, parece que tudo ocorreu bem" — não sei, até, por que tive a idéia estúpida de me dirigir ao Major e falar aquilo — êle me respondeu, textualmente: "Infelizmente, nós fomos obrigados a cumprir ordens".

Essa era a situação, em Caxias, de cinco Deputados Federais, inclusive o Deputado Tenório Cavalcanti, cercados por mais de cem homens armados de metralhadoras e que somente não assaltaram a residência porque lá se encontrava um membro da Polícia Civil, o Delegado Frederici.

Esta a conclusão que tiro e transmito, com a maior honestidade, aos colegas desta Casa.

O Sr. José Guimarães — Pelo que depreendo do relato de V. Ex.ª, foi frustrada a diligência porque lá não se encontrara mos (sic) criminosos porventura procurados.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Não vimos isto.

O Sr. José Guimarães — Numa terra em que um juiz consente que transitem, que "naveguem" pela cidade criminosos com mandados de prisão em dois e três Estados, juiz que dá uma sentença dessa ordem, eu me permito julgar um homem dêsses, não como um magistrado, mas como um cadáver de toga.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Senhor Presidente, há outro pequeno fato que desejo relatar à Casa. Quando estávamos na iminência de ter de defender, com armas na mão, as nossas vidas, porque era taxativa a declaração do Delegado …

O Sr. Paranhos de Oliveira — E já nos havíamos conformado com o desfecho, tínhamos tomado providência e declarado ao Delegado que, como Deputados, morreríamos na frente, em defesa do Congresso e da Constituição.

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Como ia dizendo — quero chamar a atenção da Casa para êste fato — quando tivemos de nos armar para enfrentar o ataque que o próprio Delegado nos afirmava, veementemente, de minuto a minuto, que seria feito — e a tôda hora olhava o relógio, desvairado — ouvi S. Sa., várias vezes, dizer: Como o tempo passa depressa! Aquilo não podia ser, de forma alguma, fingimento. Procuramos armas. Eu não estava armado, e a única arma que encontrei, na casa do Deputado Tenório Cavalcanti, foi um revólver pequeno, um Schimidt soldado, quebrado na ponta, que ainda tenho comigp e vou devolver a S. Ex.ª. Se não me engano, o repórter e o fotográfo, que lá estavam, ficaram desarmados, porque não havia armas para êles.

Essa, a situação dentro da residência do Deputado Tenório Cavalcanti. O tal armamento, que se dizia existir em abundância, quando dêle precisamos, não apareceu.

Relato os fatos, com tôda a fidelidade, à Casa, para que não se faça um juizo que não seja realmente verdadeiro.

Sr. Presidente, vou terminar esta exposição, mas desejo, antes de fazê-lo, deixar consignado o aprêço em que a Câmara tem o Sr. Presidente Nereu Ramos e o nosso venerando General Flores da Cunha.

Eu, que acompanhei de perto tudo quanto estou descrevendo, que sei da vigilância e das preocupações de Sua Ex.ª o Sr. Nereu Ramos; eu, que assisti aos telefonemas constantemente dados da residência do Deputado Tenório Cavalcanti — quero ressaltar a figura do nosso Presidente e do nosso querido colega, Deputado Ruy Almeida, que foi de uma dedicação a tôda prova, avaliando de pronto a gravidade da situação e o perigo que corriam os seus colegas desta Casa.

Sr. Presidente, desejo — e creio que interpreto o pensamento da maioria da Câmara dos Deputados — prestar comovida homenagem ao venerando Gal. Flores da Cunha. Êste homem, com a sua presença, salvou a dignidade do Parlamento brasileiro. Com a sua coragem, com a sua bravura, com a sua ponderação e a sua prudência, nos momentos necessários, acalmando, mas nunca recuando, êle escreveu, mais uma vez, uma grande página do Parlamento do Brasil. (Muito bem. Palmas)

O Sr. Félix Valois — Será possível assistirmos a êsse crime inominável, sem que alguém seja por êle responsabilizado?! Será possível que um governo desabusado, pelas sua autoridades, permita, por assim dizer, êsse massacre que por um milagre não se realizou, e tudo fique impune?! E que assistimos a isso de braços cruzados?! Não creio que a Câmara, o Poder Legislativo, os homens de responsabilidade, afinal de contas os juristas que, melhor do que eu, estarão em condições de apresentar meios de punir os responsáveis, deixarão de fazê-lo, quando êsses responsáveis estão tão próximos, do outro lado da Guanabara, e todos sabem quem são! Não me parece possível, porque isto é o verdadeiro golpe, ou o começo do golpe que querem dar contra a Nação! É a Câmara massacrada: é a morte de seus elementos: é o fim do princípio fundamental do regime democrático! (Palmas).

O SR. MÁRIO PALMÉRIO — Senhor Presidente, concluindo, desejo declarar que eu disse a verdade, apenas a verdade. Também não sou jurista; sou o mais modesto dos Deputados nesta Casa (não apoiados). Por isso, não desejo traçar rumos para a nossa Câmara. Apenas, Sr. Presidente, neste discurso narrei à Casa, fielmente, o que aconteceu para que todos tomem conhecimento do ocorrido e façam o juizo que lhes aprouver.

Era o que eu tinha a dizer. (Muito bem; muito bem. Palmas).

 

DIÁRIO do Congresso Nacional. Sessão: 04/9/53. Publicação: 05/9/53. Assunto: Como lider de partido. Relato dos acontecimentos de Duque de Caxias, que culminaram c/ o cerco da casa do Prof. Tenorio Cavalcanti. p. 1204. Coluna: 3.